mãos segurando livros de Virginia Woolf

Eu tenho uma grande amiga chamada Virginia Woolf

Era um dia quente e tumultuado quando cruzei com Virginia Woolf pela primeira vez. Estava no Rio de Janeiro a trabalho e aproveitamos a única noite livre para ir ao teatro. A peça que está em cartaz no momento: Quem tem medo de Virginia Woolf?

Era a primeira vez que estava em um teatro no mais cinematográfico clima “intimista meio decadente” de um lugar pequeno, com poucas luzes e pessoas espalhadas pelas cadeiras sem encher a sala. Na minha experiência de cidade pequena, toda peça de teatro é um evento com grande divulgação, então tudo está sempre muito lotado. 

Fui envolvida por essa energia e passei todo o espetáculo me perguntando quem era essa mulher de que todos tinham medo e gritavam de forma enérgica durante toda a peça. Confesso que o questionamento veio e se foi como as ondas da praia de Copacabana, onde estava hospedada, e nem me dei ao trabalho de pesquisar quem era realmente aquela mulher. 

Um tempo depois, comentei sobre a peça com uma pessoa e ela me respondeu bufando que odiava Virginia Woolf. Que não conseguia terminar um livro dela, que sua escrita era enrolada demais, que ela divagava demais, que seu raciocínio não chegava em lugar nenhum. Nas palavras dela “Virginia era uma doida”. Mais uma vez, ela veio e se foi sem eu dar muita importância.

Então, quando comecei minhas pesquisas sobre escrita feminina seu nome apareceu repetidamente em cada artigo científico e livro que li e foi só assim que ela não fugiu mais uma vez. Na verdade, acho que fui eu quem deixou de fugir de tudo o que ela queria me dizer. Talvez, ainda não estava pronta e ela iria mudar a minha vida.

Li o livro Um Teto Todo Seu em um fim de semana e entendi tudo o que ela queria dizer. As palavras de Virginia Woolf mexeram comigo de uma forma que eu acenava com a cabeça em cada trecho do livro, como se fosse uma amiga que chegasse dando conselhos e alguns puxões de orelha que realmente precisava ouvir. Eu respondia “tá bem”, “já entendi” e “é isso que eu sinto” em cada página daquele pequeno livro. Meu primeiro pensamento quando terminei a última página foi “bom, eu sou tão doida quanto a Virginia”. 

Virginia Woolf me lembra a carta do louco no tarot. A definição que tenho aqui é que O Louco é a carta que tem o maior potencial de mudança, pois, não obedece a nenhuma lei, nem mesmo a do destino. Ele tem a energia dentro de si, tem audácia de se arriscar e fazer, ele sabe tudo e, por isso, é considerado louco.

Virgínia me ajudou a dar nome para tudo o que eu sentia, mas era abstrato demais para definir. Um Teto Todo Seu foi a porta de entrada para um mundo em que escrever no feminino se tornou tudo o queria fazer. Seja em seus romances ou em todos os seus ensaios, eu me encontro em cada palavra e pensamento, e mesmo com todas as limitações do tempo, cultura e tradição de uma mulher inglesa, o que ela me conta é essencialmente um despertar para repensar ou descobrir pontos da minha vida.

A vida e todas as obras de Virginia me emocionam profundamente. Como eu queria ser uma amiga que a abraça apertado enquanto ela escreve sua carta de despedida. Quando entra em um ciclo de escrita em que a obra nunca está pronta e precisa ser roubada às escondidas pelo seu amigo e marido Leonard.

A escrita de Virginia é a forma mais nua e crua em que as palavras podem se apresentar. Seus textos não constroem um argumento e apresentam uma conclusão, ela te pega pela mão e convida a pensar com ela. No fim, não há uma resposta concreta, por isso a sensação de ler sempre o seu texto pela primeira vez. Se expor desta forma, sem edição, exige coragem. Escrever no feminino exige muita coragem. 

Virginia Woolf me disse uma frase que se tornou uma grande lição, a maior entre tantas, “não se acha paz evitando a vida” e por um longo período eu cometi esse erro. Na minha inocência, achava que evitando certas situações e sentimentos eu finalmente encontraria minha paz. A verdade é que agora eu só sinto paz porque estou vivendo. 

Ainda existe outra coisa que compartilho com essa mulher: a paixão por Jane Austen. Sempre brinco que se um dia tiver acesso a uma máquina do tempo, gostaria de chamar Woolf e Austen para um chá. Vocês conseguem imaginar como seria um chá com duas aquarianas (eu e Virginia) e uma sagitariana (Jane Austen), talvez a gente afetasse para sempre as linhas do tempo do futuro. 

Bem, no fim, cá estou eu divagando como Virginia. Não estou brincando quando digo que a gente realmente se entende. 

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