mulher enfaixada em um hospital antigo com os braços cruzados na frente do corpo

Como a noção atual de doença restringe a vida: o medo irreal na pandemia

Entender a responsabilidade no momento pandêmico é indispensável. Sem resquícios de culpa, uma abordagem sobre o conhecimento pouco difundido ou negado se faz obrigatória. Baseado em longos anos de análises, este pequeno texto tem, por objetivo, levar o leitor a pensar e repensar suas escolhas, tanto individuais quanto coletivas.

A medicina tradicional/ortodoxa é rígida, regida por uma filosofia arcaica. Sim, antes de qualquer prática médica foi preciso – e, ainda é – uma elaboração teórica. A maioria dessas condutas apenas assimilam um discurso já enraizado e falho, forjado no início da história medicinal. Um dos movimentos propostos é, leva-lo a um passei sobre o significado dessa palavra. Não será confortável, mas essencial, principalmente no atual cenário. 

A saúde, segundo esse modelo, é pautada em um padrão químico e biológico do nosso organismo, ou seja, há uma “harmonia natural” existente como regra. Quando essa “harmonia” é violada, a sociedade médica e comum classifica-a como doença, exceção. Em termos mais simples, na prática é disseminado: nosso organismo (com uma boa distância da psique) tido como normal, já a doença, anormal. 

Como a doença pode ser normal? Não se deve combatê-la? Vamos por partes.

Essa “harmonia” foi inventada a anos atrás, na verdade, desde os primórdios da invenção do “eu”, como bem aponta Michel Foucault em: “A História da Loucura”. “Harmonia” é mais uma palavra inventada e significada pelo ser humano ao longo dos anos, tendo um peso forte, como, também, “doença” e “saúde”. Como seres pensantes, detentores de suas próprias ações e responsabilidade, cabe a nós investigar se, ainda, são válidos os significados e significantes que as palavras carregam. Será que ainda podem ser ressignificadas? Essa é uma pergunta que todas e todos temos a obrigação em pensar, já que vivemos em sociedade (temos relações com outras pessoas).

O corpo humano é cada vez mais explorado, consequentemente, somos bombardeados por novas informações, mas como isso é um movimento recente, comparado com a invenção do “eu” ou do “evolucionismo” de Charles Darwin, tendenciamos a não dar o devido reconhecimento a esses novos saberes. Em suma, ficamos presos a velhas concepções de conhecimentos, uma vez que eles são os mais validados pelos mecanismos de regência, como o Ensino Escolástico, o Estado, a Ciência Clássica e a própria Cultura Oral.

Todos os mecanismo externos e internos querem a submissão do corpo. Quem não deseja um corpo ideal, dócil? Passivo das vontades e desejos que nos atravessam e dos que forjamos? Aqui está o grande equívoco contemporâneo. Através desse tipo de pensamento racional e seu desague em práticas, temos a seguinte prerrogativa, como já pontou Foucault anteriormente: “Estou fadado ao meu corpo”. Essa prisão corporal existe, porém, ela só é real na medida em que aceitamos esses significados e deixamos jazer em nós, em nossas entranhas.

Por exemplo: quando usamos adornos (acessórios), usamo-los com o significado mais conveniente. A tatuagem é uma delas. Para alguns, ela simboliza sentimentos, algo que não é, necessariamente, objeto, mas a tatuagem é. Ela pode servir como representação de tal coisa imaterial. Em outros casos, não menos importante, ela é usada por causa de uma simples estética de beleza padronizada, sem significados mais amplos. A comparação não tem o intuito de banalizar nenhum dos dois tipos de uso, até porque existem outros tipos de uso e significado. A questão aqui, na verdade, a solução, é como temos o poder, por meio do pensamento anterior, da maioria das ações de aceitar ou não certos significados e usá-los.

Se pensamos a doença como catástrofe ou, interferência desarmônica, estaremos, realmente, fadados ao corpo. Porém, se aceitamos como sinal de algo extremamente sofisticado, que é nosso corpo, temos um dos, se não o melhor, sistema de alerta e manutenção, algo que não queremos ficar sem. Imagine adoecer, mas não apresentar nenhum sintoma? Apenas falecer ou perder uma função corporal, sem qualquer indicativo do mesmo, sem ter a opção de tratar adequadamente? Ninguém gostaria. Nosso corpo, agora, tratando-o como um só, sem divisão, seja qualquer uma, com a psique, concluímos o seguinte: um organismo detentor de uma sofisticação avançada, completo, só podendo o ser por conta dos sinais que expressa, e um desses sinais é o que denominamos de doença/sintomas.

Essa reflexão não é uma romantização banal da dor, nem do sofrimento. Ela, apenas demonstra a saída para esse grande problema humano que é estar doente. Nós escolhemos, direta ou indiretamente, como damos lugar ao que o corpo tem a nos comunicar, por meio de tratamentos convencionais ou alternativos. Temos a capacidade de pensar nela e nisso reside o poder de escolha.

Não, as pessoas que estão ou estiveram doentes não merecem isso. Não é uma questão meritocrática, principalmente, em relação ao cenário pandêmico, decorrente do vírus COVID-19. É uma escolha do Estado, submeter nossos corpos a esta exposição, não fornecendo meios para que tomemos as devidas precauções. Mas quem mantém o Estado? Toda sociedade, até mesmo, quem não compactua com seu atual funcionamento. O discordar, que ocorre no campo do pensar, também é responsável por manter o funcionamento maléfico intacto. Como Hannah Arendt já explanou, através da “banalidade do mal”, a ação desvinculada da racionalidade ou, o movimento inverso, a racionalidade sem a ação (prática) é, igualmente, responsável.

Abaixo, segue uma lista de estudos que apontam essa responsabilidade (não culpa) a fim de guiá-los a repensar suas escolhas e resignificar suas condutas em relação ao Estado, os demais indivíduos e com você mesmo.

SERALINI, Gilles-Eric. Controversial effects on health reported after subchronic toxicity test: a confidential rat 90 day feeding study. Report on MON 863 GM maize produced by Monsanto Company – June 2005.

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

MEDEIROS, Graziela Leopardi; HEUSI, Renata Merico; MOTA, Tânia. Os alimentos transgênicos e a defesa do consumidor. Rev. Amicus Curiae, v.5, n.5, (2008), 2011.

NETO, Roberto.G. SEGURANÇA ALIMENTAR, BIOTECNOLOGIA E POLÍTICA AGRÁRIA* (FOOD SAFETY/FOOD SECURITY, BIOTECHNOLOGY AND AGRARIAN POLICY). Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, vol. III, n. 9, 2013. 

FARES, Nagui H., EL-SAYED, Adel K. Fine Structural Changes in the Ileum of Mice Fed on d Endotoxin Treated Potatoes and Transgenic Potatoes. Natural toxins. vol. 6, p. 219-233, nov.-dez. 1998.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Lígia M. Pondé Vassalo. Petrópolis, RJ: Vozes; 1977.

______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal; 1989.

______. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1978.

______. A ordem do discurso. 14. ed. São Paulo: Loyola, 2006.

______. Nascimento da Biopolítica. Curso no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

______. O corpo utópico, as heterotopias. Posfácio de Daniel Defert. São Paulo: Edições n-1, 2013.

Leave A Comment

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.