Na faculdade de arquitetura uma das coisas que mais me incitava a curiosidade era o processo de concepção projetual. Comecei lendo e estudando processos e métodos que diferentes arquitetos utilizavam para conceber espaços e desenhos, mas também aquilo de intangível que existia por trás da solução arquitetônica: a estrutura do raciocínio lógico daquela resposta. Como ele chegou até ali? Sim, na maioria das vezes era ele mesmo – no masculino – pois a maior parte do repertório acadêmico arquitetônico é sobre obras feitas por homens brancos e europeus. Entretanto, sem querer contribuir para a figura do arquiteto-deus sob a égide do herói criativo e solucionador de todos os problemas da sociedade, esses processos mentais muito me interessavam.
Eu realmente acreditava que estudar minuciosamente como foi o processo que resultou naquela solução arquitetônica, me faria encontrar um caminho para desvendar o que existe de criativo ali, e então eu teria a resposta de como ser uma profissional mais criativa. Uma enorme ilusão, claro. Quer dizer, nem tanto. É um bom caminho e recomendo essas análises a todos arquitetos que queiram aumentar seus repertórios projetuais. Mas a criatividade que eu realmente estava buscando era outra.
O Universo, Deus, os Deuses, a Deusa, Maomé, Buda, as energias do cosmos, a vida, ou seja lá como voce costuma denominar esta entidade superior, é uma força muito sábia. E essa sabedoria me trouxe não o que eu queria, mas sim o que eu precisava. Descobri que essa criatividade é inerente a todos nós. Todos nós temos uma capacidade criativa natural, e que está relacionada com você acessar e libertar aquilo que existe de mais selvagem em você.
Dentro de uma ótica feminista, eu diria que assumir sua criatividade pode até mesmo ser um ato de revolução social e um ato político também. Pois para mim, hoje, criatividade não tem mais a ver com ter novas ideias, ou ter soluções extremamente autênticas e inovadoras que ninguém nunca pensou em fazer. Ser criativa é fazer as coisas à sua maneira. Ou como a criadora desse blog lindo uma vez falou no clube do livro – é ser fiel a você mesma. Quando você se permite ser criativa você está dando a si a chancela que muitas vezes deixamos nas mãos dos outros. Nos tornamos receptivas a nossa imaginação, possibilitando que o nosso fluxo criativo se desbloqueie e comece a correr, como um rio. A escritora e psicóloga junguiana Clarissa Pinkola Estés denomina esse fluxo feminino de criatividade e de essência selvagem como o rio abajo rio: O Rio abaixo do rio. É o rio que corre em nossa camada mais interna. Ele não está na superfície e por isso, é mais difícil de alcançar. Principalmente quando estamos já há tanto tempo domesticando nossa essência selvagem. É por este motivo que para atingi-lo precisamos mergulhar em si mesmas, para desvendar aquilo que ainda não é tão visível à nossa consciência. Percebe como assumir sua criatividade se relaciona a um processo de autoconhecimento, empoderamento e também acolhimento sobre a mulher inteira e completa que você é? Ser quem somos, sem as ressalvas externas, é assumir nossos desejos. Permitir que seu lado criativo aflore em ti é sinônimo de liberdade. Criatividade é uma palavra feminina. E sim, ela está aí dentro de você pronta para emergir a superfície da sua vida e trazer a tona toda a possibilidade que você é. Sim, somos possibilidades possíveis e poderosas. A criatividade é uma deusinha que mora dentro de cada uma de nós, que pode estar dormindo, sonolenta ou bem acordada, esperando você ouvir seus sussurros criativos que você, teimosamente tem ignorado.
“Já que a Mulher Selvagem é Río Abajo Río, o rio por baixo do rio, quando ela corre dentro de nós, nós corremos. Se a abertura dela até nós for bloqueada, nós ficamos bloqueadas. Se sua corrente estiver envenenada pelos nossos próprios complexos negativos internos ou pelas pessoas que nos cercam, os delicados processos que forjam nossas idéias também ficam poluídos. Passamos, então, a ser como um rio que morre. Isso não é coisa ínfima, a ser ignorada. A perda do nítido fluxo criador constitui uma crise psicológica e espiritual. Quando um rio está poluído, tudo começa a definhar porque tudo depende de tudo o mais.” – Clarissa Pinkola Estés.
Hoje, perto dos 30, entendo que é essa força criadora que faz com que toda mulher queira e precise um dia ser mãe. Sim, isso mesmo. Existe essa força que vem de dentro do nosso ventre nos obrigando a se render a essa missão maternal. De cuidar de um serzinho que vai crescer, crescer e crescer. Somos nós mulheres que geramos a vida. E essa potência de criação mais cedo ou mais tarde vai bater em você. Você vai sentir vontade de maternar algo. Mas não necessariamente um outro ser humano. Somos e seremos mães de sonhos, projetos, ideais, conquistas… A verdade é que nosso poder de criação intra e ultra uterina vai além de procriar pessoinhas. Também parimos ideias, e parimos novamente nós mesmas. Podemos maternar e materializar o que quisermos a partir do momento que nos abrirmos para nossa criatividade feminina e potente. Também somos mães de nós mesmas. Todas as mulheres querem ser mães porque todas almejamos usar essa força e essa possibilidade de maternar ou gerar algo incrível: um livro, uma dissertação de mestrado, uma tese, um projeto, um quadro, uma pintura, uma casa, uma criança, uma planta, um novo emprego, um hobbie, um relacionamento saudável, uma autoestima, ou até mesmo, uma nova versão de si mesma. Eu sei que você tem dentro da gaveta (e do seu coração) um belo projeto para realizar. Por isso, termino este texto com uma oração que faço para a mãe que existe em você e está sedenta de vontade de parir algo que você nem imagina, ou talvez saiba exatamente o que é.
Seja ele um bebê, um projeto ou você mesma.
Oração às mulheres mães de si mesmas.
autoria: Jaqueline Martins
Peço hoje por todas as mulheres que possuem dentro de si a capacidade de gerar, parir e procriar vida;
Peço por todas as mulheres que maternam a si mesmas, que elas cultivem sua criatividade uterina selvagem e visceral;
Rogo por todas as mulheres cheias de fúria e dores, que souberam transformar seus sentimentos em novos filhos. Livres e plenos;
Peço pelas mulheres que honram sua força e seu anseio de pro-CRIAR novas formas de vida, sejam elas humanas ou feitas de sonhos, ou que sejam também, gestantes de si mesmas;
Rogo para que essas mães cuidem com afeto e ternura cada pedacinho de si mesmas, ninando e se dando colo quando elas mesmos precisarem;
Que todas as mães estejam sempre de braços abertos para receberem a si mesmas nos momentos que precisarem da vossa compaixão;
Rogo para que sejamos todas nós, boas mães para nós mesmas e para cada sonho vivo criativo dentro de nós, que nos faz feliz e acende nossa alma;
Peço para que todas essas mães amem suas filhas. Aceitem elas como elas são. Afaguem seus cabelos quando alguém ousar feri-la. Que cuidem de seus machucados com a mesma atenção e cuidado que daria a outros com seu amor e instinto maternal;
E que lutem feito leoas na defesa de suas crias, quando pressentirem, com a sua intuição de mãe, algum perigo se aproximar de si mesma, sua filha;
E às mães desgarradas, aquelas perdidas que ainda não se encontraram como mães de si mesmas, que possamos perdoá-las por suas faltas e ausências quando mais precisamos delas. Por ter-nos, muitas vezes, nos deixado sozinhas e abandonadas para cuidar dos filhos de outros;
Que possamos acolher essas mães e entender que faziam o que faziam pois era o que conseguiam naquele momento. E que elas retomem à sua condição automaternal e nunca mais nos faltem quando precisarmos delas. Que nos deem colo e abrigo quando o mundo parecer difícil demais de suportar.
Amém.
Uma mulher exausta, curiosa e em busca de si mesma que escreve para se encontrar e se lança no desafio mensal de trazer para a discussão algumas perspectivas dos acontecimentos diários dentro da vida de nós mulheres, isso claro, dentro de um recorte social de privilégios ao qual me insiro, mas que acredito que possam fazer parte do cotidiano de muitas de nós.