A amor da Mulher-Esqueleto

A jornada da Escrita Selvagem tem sido uma grande jornada para mim também, como criadora. Bom, acho que na verdade, ela começou quando o livro Mulheres que Correm com Lobos chegou em minhas mãos.

Eu olho para ele todo rabiscado, com a capa gasta, páginas com post-its de todas as cores e tamanhos e penso na companhia que ele me faz, já há muito tempo. Está sempre na minha cabeceira, na terapia, no grupo de estudos, nas oficinas de escrita criativa, no clube e agora, semanalmente na jornada.

Eu sempre digo que sem esse livro não existiria Valentinas e sem a Mulher Selvagem não existiria esta Jóyce que está escrevendo aqui e agora. Mulheres que Correm com Lobos é um despertar, um primeiro passo sem ter a menor ideia de onde tudo isso vai levar, nós confiamos e seguimos correndo.

Ontem, chegamos no meu capítulo preferido e eu estava morrendo de medo porque eu sei bem como ele mexe comigo. Falar sobre amor é mergulhar em águas profundas que nem sempre são cristalinas, é saber ir fundo e confiar que terá fôlego para voltar à superfície.

O capítulo da Mulher-Esqueleto fala sobre o amor, mas sua mensagem é tão profunda que vai muito além dos amores afetivos, dos amantes. Ninguém ama alguém sem se amar primeiro e se permitir viver este primeiro amor é uma das experiências mais assustadoras que a gente pode ter. É se deparar com um esqueleto enorme todo emaranhado em rede de pesca e ter a paciência, compaixão e coragem para desenrolar fio por fio.

Acredito que existem muitos tipos de amor e que todos eles têm uma coisa em comum: a mulher-esqueleto. Aquela sensação assustadora que arrepia do calcanhar ao topo da cabeça, que paralisa o corpo por um instante e manifesta uma energia que a gente acha que não vai dar conta. Como diz Clarissa no livro, “Amar significa ficar quando cada célula nos manda fugir”.

Quando fiz a primeira oficina da Valentinas eu senti a presença da mulher-esqueleto bem ali, sentada com a gente em volta daquela mesa. Eu fiquei tão assustada e emocionada que travei, não consegui falar. Havia muito amor ali, entre todas as mulheres presentes, entre as lobas (algumas ainda nem tinham se descoberto como uma) que buscam a si mesmas enquanto compartilhavam um pouco da vida com as outras. O amor profundo que se manifesta quando escrevemos com a alma.

Sentir aquela presença foi tão assustadora que eu cheguei na terapia, na semana seguinte, com a certeza de que não daria continuidade com o projeto. Como eu ia promover oficinas de escrita criativa se não tinha a capacidade de conduzir um evento inteiro sem chorar ou me emocionar? Era forte demais e eu (achava que) não estava pronta.

No capítulo, Clarissa fala que para receber esse amor profundo é preciso aceitar o ciclo da vida-morte-vida, que em todos os dias estamos iniciando, vivendo e encerrando ciclos. Nascemos e precisamos morrer para uma nova vida existir. Temos tanto medo da morte, tanto medo de abrir mão daquilo que conquistamos que não deixamos a vida seguir seu fluxo. Fazemos isso porque a vida é tão difícil e tudo que conquistamos é tão valioso que queremos guardar para sempre ou porque achamos que não merecemos algo melhor, então é melhor manter o que temos.

Entendi que para seguir com a criadora da Valentinas, com minhas oficinas, cursos e conversas sobre tudo que envolve esse feminino selvagem, eu não poderia ser a versão que eu era até então, aquela mulher sentia muito pouco e estava mais no mundo do que na alma. É a vida-morte-vida fazendo a roda girar novamente. O equilíbrio está em promover e aceitar as mudanças e não em viver uma vida linear.

Ontem, uma das participantes citou uma outra parte do capítulo que diz “quando o aluno está pronto, o professor aparece. Isso quer dizer que o professor chega quando a alma, não o ego, está pronta”. Ela me agradeceu e disse que apareci quando ela estava pronta, pronta para ler o livro e embarcar na jornada. E eu, desabei a chorar novamente.

Acho que, independente da forma do amor, acreditar que você o merece e confiar que irá encontrar pelo caminho pessoas que acreditam e reconhecem o mesmo sentimento que você é a tarefa mais simples e a mais difícil. É simples porque você não precisa fazer muito além de amar e confiar em si mesma, e é difícil porque como é complicado amar e acreditar em si mesma. Quão merecedora você se sente de tudo o que deseja?

Escolher viver uma vida consciente e significativa, entregar a alma para a mulher selvagem é o início de uma corrida com lobos que eu não tenho ideia de onde vai dar, mas há uma voz que sussurra em meus ouvidos que eu não posso parar. Quanto mais eu corro, mais a vida se cria.

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